Há uma estranha cumplicidade entre humanos e seus animais de estimação. Dizem que, em algum ponto da vida, todos nós acabamos sucumbindo ao desejo de acolher um companheiro de quatro patas. Contudo, eu sempre fui avesso a essa ideia. Desde a infância, as roupas escuras faziam parte da minha personalidade, e as visitas a amigos donos de animais me deixavam à beira da loucura — os pelos grudavam e se recusavam a sair. Eu era o tipo de pessoa que jamais, sob alguma circunstância, teria um bicho de interesse, especialmente um que soltasse pelos.
No entanto, o destino é astuto e, no meu aniversário de 13 anos, minha vida deu uma guinada peculiar. Fui apresentado, ou talvez amaldiçoado, com um gato. Não é um gato qualquer, mas uma criatura branca, felpuda e absolutamente distante da minha estética preferida. A intenção era que ele me fizesse companhia em meus momentos de reclusão juvenil, enquanto eu, um pré-adolescente de humor sombrio, mergulhava cada vez mais em meu quarto, longe do riso fácil que um dia me definira. Enquanto a família estranhava minha transição de um menino alegre para um ser introspectivo, eu me confortava na solidão virtual, jogando videogames e assistindo vídeos intermináveis que minha mãe julgava "inadequados para um menino cheio de problemas".
O encontro com Dobby, como foi batizado, aconteceu de maneira irônica: ele estava deitado sobre uma camisa preta com a estampa de Dobby, o elfo doméstico de um dos meus filmes preferidos. O destino tem uma maneira peculiar de pregar peças. A antipatia foi instantânea. Passei dias ignorando-o, enquanto minha irmã se encarregava de alimentá-lo. Para mim, sua presença era uma inconveniência que se escondia nos cantos obscuros da casa, e eu agradecia a cada momento de paz.
Mas então, certo dia, algo mudou. Entre uma partida e outra do meu jogo "perigosíssimo" — como minha mãe gostava de descrever —, percebi que a presença desagradável de Dobby havia sumido. Não o barulho de suas patinhas, nem o leve roçar de seu corpo nas portas. Um silêncio inesperado se instalou. E, com ele, uma inquietação que me tomou de surpresa. Por que eu, que nem gostava daquele gato, estava tão interessado em saber onde ele estava?
A busca pelo gato tomou medidas absurdas. Percorri cada canto da casa, reproduzindo sons de gatos no volume máximo, algo que aprendi a fazer vendo vídeos selecionados aleatoriamente no YouTube. Nada. Perguntei a todos, mas ninguém sabia do paradeiro dele. O que era apenas uma ausência se transformou em uma preocupação real. "Será que ele fugiu?", Pensei, "Ou pior, ficará ferido e com medo em algum canto solitário?" Minha mãe, sempre otimista, sugeriu que talvez ele estivesse explorando o bairro, em busca de uma aventura melhor. Eu, no entanto, não consegui afastar a sensação de que algo estava errado.
Dias se passaram e nada de Dobby. Suas escapadas vieram a ocupar minha mente de maneira desconfortável. O ódio inicial deu lugar a uma angústia crescente, uma sensação de perda que eu não sabia nomear. Minhas irmãs saíram à procura dele pelo bairro, levando consigo uma foto desfocada tirada em cima da pia do banheiro — um triste retrato do meu "presente" de aniversário.
E então, como que por mágica, ele voltou. Em uma manhã qualquer, acordei com a sensação úmida e áspera de sua língua felina em meu rosto. Lá estava ele, como se nunca tivesse partido. E, para minha surpresa, uma onda de ruptura me inundou. Corri pela casa anunciando seu retorno, e minha mãe, como sempre, já sabia de tudo. "Eu o vi quando ele entrou", disse ela casualmente, enquanto preparava o café.
Dobby estava de volta, mas algo em mim havia mudado. Sua ausência havia despertado em mim uma vulnerabilidade que eu desconhecia. Quando chegou a hora de ir à escola, hesitei. Não queria deixá-lo novamente. Aquele sentimento irracional de que ele poderia desaparecer outra vez me acompanhou pelo dia, e cada trovoada que cortava o céu cinza de junho parecia ecoar minha própria ansiedade.
Retornei tarde para casa, sob uma tempestade violenta que rugia do lado de fora. Meu corpo estava encharcado, minha alma inquieta. Ao entrar no quarto, sinto um arrepio subir pela espinha. A janela, que eu sempre mantinha fechada, estava entreaberta. Dobby não estava em lugar nenhum. O vento uivava através da abertura, trazendo uma sensação de que algo estava profundamente errada.
Caminhei em direção à janela, e o que vi fez meu coração parar.
Dobby estava lá fora sobre a cerca, seus olhos brilhavam com uma intensidade que parecia sobrenatural.
A luz dos relâmpagos refletia em seus olhos como chamas invisíveis. Eu o chamei, mas ele não se moveu. Ficou ali, fixo, me encarando com uma profundidade que congelou meu sangue. O som segurador de um trovão explodiu no ar, e a casa mergulhou na escuridão.
Quando a luz voltou, Dobby havia desaparecido. Mas algo permaneceu ali. Uma sombra, indistinta, espreitava no canto do quarto. Não era humano, mas também não era totalmente outra coisa.
Uma voz sussurrante, fria como o vento da tempestade, ecoou em minha mente: "Ele nunca foi seu. Agora, você nos pertence."
Naquela noite, meu quarto foi tomado por uma escuridão que parecia viva, pulsante. Dobby nunca mais voltou. Mas, em seu lugar, algo muito mais sinistro tomou conta do meu mundo.
E eu, que sempre fujo dos pelos, me encontrei preso nas sombras.
Texto: Diogo Brito
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