Que Deus te leve!

Uma história do dia a dia


A história acontece numa manhã de segunda-feira qualquer.

O terminal rodoviário da cidade de Ipiaú, localizada entre as regiões sul e sudoeste da Bahia, será o ponto de início dessa jornada.

Ricardo, um jovem cidadão de 25 anos, assim como vários outros, começará num novo emprego. Era a sua primeira vez como cobrador de ônibus. Às sete e meia, o “buzu” no qual Ricardo foi trabalhar deixaria o terminal com destino à cidade de Itabuna. Antes de chegar ao seu destino, o carro – como era de se esperar – passaria por outras cidades e vários outros locais de embarque e desembarque de pessoas. Passageiros acomodados, é hora de partir. A manhã estava ensolarada e o novo cobrador comentou:

– Veja, o sol hoje será daqueles.

– Sim, parece que vai brilhar o dia inteiro, parece que você tem razão – respondeu seu Antônio, motorista bastante experiente naquela rota.

Ricardo começou seus serviços passando de poltrona em poltrona, vistando os bilhetes dos passageiros. Seu trabalho estava facilitado nesse início de jornada, todos os passageiros haviam comprado seus bilhetes na agência. A paisagem que podia ser vista pelas janelas e para-brisas da “marinete” era um presente dado àqueles que iniciavam uma longa jornada vitoriosa e calma. No caso de Ricardo, aquele era o presente de boas vinda pelo seu primeiro dia na empresa.

No meio da estrada, alguém pede ponto: – “motô”, fico ali na Maia”.

O ônibus parou em frente ao portão da fazendo Maia.

– O senhor tem bagagem no bagageiro de baixo? – perguntou o cobrador ao passageiro enquanto este descia. O cidadão nem respondeu, nem sequer olhou para trás.

– Misericórdia! Deus é mais! Que educação – resmungou Ricardo para seu companheiro de viagem, que deu uma boa risada como resposta.

Vida que segue. Logo adiante, outro cliente resolveu descer. Esse ficou na fazenda Coroa Verde.

– Fico ali, irmão, na Coroa – pediu o ponto em tom alegre e sorridente.

– Beleza! – respondeu o chofer.

Ricardo prontamente perguntou se havia bagagem para que pudesse ajudá-lo.

– Tem sim, “cobra”.

Ele desceu e ajudou o moço, que agradeceu.

– Valeu, brother.

O itinerário continuou e, quando chegaram à cidade de Barra do Rocha, algumas pessoas desceram e outras subiram. O cobrador estava atento a todos esses movimentos ao mesmo tempo em que auxiliava aqueles que tinha dúvidas.

– Cobrador, esse ônibus passa em Itajuípe?

– Passa, mas só para na rodoviária.

E dessa forma, Ricardo foi desenrolando seu primeiro dia de trabalho. A viagem seguiu e tudo corria dentro da normalidade.

– Motorista! Motorista, fico logo ali – pediu o ponto com a voz agitada outra jovem que caminhava para a porta de saída na frente do ônibus.

– Ali, onde, senhora? – perguntou o motorista.

– Na Jacinta.

– Hum. Ok!

A moça, de cabelos negros e longos, com um sorriso encantador, trocou algumas palavras com Ricardo. Este, ao subir novamente no ônibus foi indagado pelo colega de viagem sobre a breve conversa com a passageira.

– Porra! Você é ligeiro, né, Cobra?

– Nada. Só trocamos o número do celular.

Risos foram ouvidos por todo o ônibus.

E o processo continuou. O carro seguia sua viagem, pessoas subiam e desciam nas paradas. Ao longo do trajeto, o jovem cobrador foi ganhando corpo. Passageiros desejavam paz, boa sorte, boa viagem e até brincavam com ele. Outros, nem tanto. Apenas desembarcavam sem muita conversa e seguiam suas vidas.

Já na BR 101, próximo à cidade de Itajuípe, uma senhora sisuda, aparentemente irritada – sabe-se lá com o quê – perguntou:

– Cobrador, quero ficar no Açude, pode ser?

– Onde? Açude? Não conheço.

– Ora, você deveria conhecer.

– Senhora, estou começando hoje. Ainda não conheço todas as paradas.

Ao lado dessa senhora estava uma jovem que escutou toda essa conversa. A senhora virou para ela e perguntou: – Você está vendo, minha filha? O que você acha? Ele não deveria saber?

A moça nada responde. Mas seu Antônio, muito experiente, sabendo do questionamento por meio da indagação de Ricardo, respondeu: – Não é ponto, não. Mas vou lhe fazer uma concessão. O ônibus parou no lugar exato. Como sempre, Ricardo acompanhou a passageira na descida. Ela aproveitou para dizer: - Vê se aprende agora. Que Deus te leve!

– Lá ele mil vezes. Prefiro que ele me acompanhe, mas que leve a senhora, que já está fazendo hora extra aqui na Terra – respondeu Ricardo, que foi logo elogiado pelo motorista. E assim eles seguiram viagem até o destino final, com Deus os guiando e os protegendo sempre. Mesmo quando os dias estão ensolarados.

Juliano Santos


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