Um dia talvez



Pedro era um jovem negro de vinte anos, de olhar imponente. Apesar do trabalho duro desde a infância na fazenda Riacho Doce, na Bahia, ele sempre mantinha um sorriso carismático. Aprendera a ler com a esposa do fazendeiro e sonhava com um futuro além das plantações de cacau.

Por: Carlos Brito

Isadora, de dezoito anos, com pele clara e cabelos castanhos, parecia saída de um conto de fadas. Seus olhos azuis refletiam sua determinação, disposta a lutar pelo que acreditava. Ela, uma jovem rica da capital e sobrinha do dono da fazenda, cruzou o caminho de Pedro.

Isadora foi passar uma temporada na fazenda, já que seu pai havia se casado de novo, ela e a madrasta não se davam bem, acreditando que isso era birra de menina com ciúme do pai. A mãe de Isadora havia morrido cinco anos antes, então era só ela e o pai; assim, os familiares acreditavam que uma temporada no interior iria fazer bem, e ela foi contra sua vontade.

Caminhando pela propriedade, a jovem avistou o rapaz que se banhava em um riacho. Ela nunca tinha visto um ser tão lindo; o jovem, quando viu a garota, quase caiu de costa, seus olhos azuis penetrantes acertaram seu coração como um tiro a queima-roupa. Apesar das diferenças sociais, Pedro e Isadora se apaixonaram profundamente, eles se encontravam atrás das barcaças, e às vezes no riacho que ficava ao fundo, dentro de uma das roças de cacau.

A felicidade da menina transbordava, seu jeito rude deu lugar à velha Isadora, doce e animada, seu tio escreveu para o pai da garota informando que o bicho da felicidade mordera a garota, e ela era só felicidade todos então concordaram que estavam certos, e que uma temporada no interior trouxe de volta aquela jovem feliz e radiante.

Durante um passeio com uma amiga, um primo de Isabela de nome Caio flagrou a garota e o amado nus e aos beijos à beira do riacho. Aquela cena deixou Caio enojado: Como poderia sua prima se deitar com um roceiro pobre e ainda por cima escuro? Foi assim que ele relatou aos seus pais. Ao chegar em casa, a garota foi interrogada sobre o que Caio supostamente viu, mas ela não negou, disse que estava apaixonada;

Seu tio zombou dizendo:

—Você lá sabe o que é amor? Não quero meu sangue envolvido com aquele serzinho.

A garota retrucou:

—Fico com quem eu bem entender.

—Vá chamar Pedro aqui. – Esbravejou o tio.

Caio montou em seu cavalo e saiu em disparada pensando que, talvez, ele pudesse apenas ter fingido que não viu nada.

Sua tia tentou ponderar com Isadora:

— Filha, imagine se você casar com esse rapaz. Ele é pobre, imagine como vão sair os filhos! E sair com a cor dele?

—Olha, tia, não me importa se for preto, branco ou azul, vou ficar com ele e pronto.

— Mas não vai mesmo –, disse o tio em tom de raiva,

—Amanhã mesmo você volta para salvador.

Enquanto discutiam, Pedro chegou.

—Sim. O senhor mandou me chamar?

— Mandei.

—Fiquei sabendo que você abusou da minha sobrinha?

— Não fiz isso não, senhor. Tudo que fizemos, ela quis também.

— Não importa. Pegue suas coisas e suma daqui.

—Tudo bem, eu vou. É só o senhor me pagar o que eu tenho direito que eu vou embora.

O tio de Isadora bufou:

—Ainda pega, que não lhe dei uma surra.

A tia de Isadora, prevendo uma tragedia e para evitar mais problemas, disse:

—Pague, homem, para que esse traste suma de nossas vidas!

Isadora chorava copiosamente, mas suas suplicas de nada adiantavam, o patrão entrou em casa pegou uma quantia, entregou ao rapaz dizendo:

—Agora suma.

Pedro estava saindo da sede quando foi abordado por Isadora, ela disse que iria fugir com ele.

Assim, ficou acertado que os dois iriam embora naquela noite. Era uma noite sem lua, estava escuro quando a jovem apareceu na porteira que dava acesso à sede, ela segurava uma pequena mala, o destino eles escolheriam quando já estivesse longe.

A moça montou na garupa do cavalo de Pedro e os dois saíram devagar, mas foram vistos por um trabalhador da fazenda, que correu e contou ao patrão, o homem juntou alguns jagunços e partiu em perseguição ao casal.

Os amantes já se distanciavam quando o som de galopes apressados alcançou seus ouvidos. Isadora, reconhecendo o perigo iminente e temendo pelo bem-estar do seu amado, implorou com urgência: — Pare, eu imploro, deixe-me descer.

Ele freou o cavalo de forma abrupta e tentou persuadi-la a continuar a fuga. Contudo, os sons dos perseguidores estavam cada vez mais próximos e, resignada, ela desmontou e disse com pesar: — Vá embora. Nossa união jamais seria aceita.

— O que você pode me oferecer? — questionou ele, com a voz embargada pela emoção — Além de uma vida repleta de privações?

As palavras cortaram o ar como uma lâmina, fazendo os olhos do jovem se encherem de lágrimas. Caio foi o primeiro a avistar Isadora à margem da estrada. Parando seu cavalo, ele questionou com incredulidade: — Você perdeu o juízo? Fugindo assim de casa?

Foi então que seu pai chegou ao local e perguntou ansiosamente: — Você a encontrou, Caio?

— Sim — respondeu ele firmemente.

O grupo cercou a moça e um dos capangas indagou: — E agora, o que faremos, patrão?

O patrão ordenou com frieza: — Encontrem aquele homem e ensinem-lhe uma lição que jamais esquecerá.

Desesperada, Isadora lançou-se aos pés do tio, suplicando pela clemência ao seu amado. Suas súplicas foram ignoradas e, antes que pudesse reagir, foi arrastada e colocada à força sobre um cavalo por Caio e seu tio, retornando assim para a fazenda.

Pedro estava absorto em seus pensamentos quando ouviu o som dos galopes se aproximando rapidamente e os gritos ameaçadores: — Chegou sua hora!

Ele instigou o cavalo a correr mais rápido. O animal esforçou-se ao máximo até que um disparo o atingiu. Ferido gravemente, o alazão despencou barranco abaixo e caiu no rio. Os homens pararam à beira do precipício e questionaram entre si: — Será que morreu?

Os capangas voltaram à fazenda e anunciaram a suposta morte de Pedro. Ao ouvir a notícia, Isadora desfaleceu. Seu tio, em um gesto de pânico, entregou uma quantia em dinheiro aos homens dizendo: — Eu não ordenei que matassem ninguém.

Na manhã seguinte, Isadora foi enviada de volta para sua casa em silêncio sepulcral. Ninguém mais tocou no assunto.

Consumida pela dor e culpa, ela dedicou-se aos estudos e mais tarde ingressou na faculdade de medicina. Desde então, nunca mais manteve contato com seus tios e primos, nem mesmo nos encontros familiares.

Após ser arrastado pelas águas do rio, Pedro conseguiu emergir e, com esforço, alcançou a margem. Ele pegou uma carona até a cidade mais próxima e de lá telefonou para um primo que residia em São Paulo. Sem demora, embarcou em uma viagem rumo à capital paulista. Sentado no ônibus, as memórias de Isadora o assombravam, especialmente suas palavras de despedida, afirmando que estar com ele fora um erro.

O peso da dor e do ressentimento que carregava parecia esmagador. Chegando em São Paulo, Pedro começou a trabalhar como ajudante de pedreiro. Era um trabalho árduo, mas oferecia uma remuneração muito superior à que recebia nos campos. Com determinação, ele conciliava o trabalho diurno com os estudos noturnos. Observando que o intermediário dos pedreiros lucrava significativamente mais do que os próprios trabalhadores, Pedro teve um lampejo de empreendedorismo: começou a intermediar os contratos e a contratar os pedreiros por conta própria. Com o passar dos anos, seu pequeno negócio floresceu em uma construtora próspera, e ele se tornou o patrão.

Entretanto, a saudade de sua terra natal era intensa e o desejo de retornar crescia cada dia mais. A fazenda Riacho Doce, outrora um símbolo de prosperidade, havia se tornado um espectro do passado após a devastadora chegada da vassoura-de-bruxa na região, levando muitos fazendeiros à ruína.

Doze anos se passaram desde que a praga se instalou. O proprietário da fazenda lutou para mantê-la a todo custo, mas as dívidas acumuladas o forçaram a vender as terras. Uma empresa de São Paulo demonstrou interesse na compra, encerrando assim um legado centenário iniciado pelos antepassados que desbravaram as matas e plantaram os primeiros cacauais.

Isadora havia se tornado médica e evitava pensar na Riacho Doce; as lembranças de Pedro traziam-lhe apenas tristeza. Seu pai a convenceu a casar-se com um amigo da família, argumentando que ela já estava com trinta anos e que precisava seguir em frente, pois Pedro estava morto e nada poderia mudar esse fato.

Ricardo Oliveira Goulart, conhecido como Dr. Ricardo, era um homem na casa dos quarenta anos e herdeiro de uma fortuna no ramo da hotelaria deixada por seus pais holandeses estabelecidos em Salvador há muitos anos. Para satisfazer o desejo do pai, Isadora aceitou o casamento. Ricardo era um homem bom e dedicava-se a conquistar o amor de Isadora. Ela tentava esquecer Pedro e ser uma esposa exemplar, apesar da culpa que ainda a consumia.

Pedro nunca se casou; teve um noivado mas não conseguiu superar seus sentimentos por Isadora. Por mais que tentasse odiá-la, não conseguia. Às vezes pensava em procurá-la para provar que não era mais o mesmo homem pobre do passado, mas esses pensamentos eram rapidamente eclipsados pelas memórias dolorosas da noite em que ela o deixara dizendo que ele nada tinha para oferecer.

Pedro sentia-se um impostor ao lado de sua noiva e, com pesar, decidiu terminar o relacionamento. Coincidentemente, uma grande empresa do setor fez uma oferta tentadora por sua construtora. Vendo uma oportunidade de retornar às suas raízes, ele vendeu a empresa e partiu.

Quinze anos haviam se passado desde que deixara sua cidade natal, que agora se mostrava transformada. Muitos amigos haviam partido em busca de novos horizontes ou falecido. Pedro encontrou-se novamente em um lugar desconhecido, mas desta vez não era mais um jovem sem recursos ou educação; era um homem de trinta e cinco anos com considerável riqueza. Com determinação, ele recomeçou sua vida empresarial e em pouco tempo tornou-se um proeminente homem de negócios na região, com várias lojas sob sua gestão.

A fazenda Riacho Doce já não era a mesma de antes, mas ainda mantinha sua beleza. Para Pedro, ela era um símbolo de superação e sucesso, e ele fazia questão de estar sempre presente lá.

Duas décadas se passaram e Isadora ainda guardava lembranças vívidas de Pedro. Enquanto refletia sobre o passado em seu consultório médico, foi interrompida pela chegada abrupta de Bárbara, sua amiga e assistente, que lhe trouxe a notícia chocante: Dr. Ricardo havia falecido repentinamente.

Durante o velório do marido, Isadora se viu envolta em pensamentos sombrios. Agora viúva pela segunda vez, ela questionava seu próprio destino. Lembrando-se de Pedro e imaginando que talvez ele não tivesse recebido as últimas homenagens adequadas, decidiu encomendar uma missa em sua memória.

Após resolver as questões burocráticas da herança deixada por Ricardo – da qual ela era a única herdeira – Isadora decidiu retornar à cidade dos seus avós para reivindicar a fazenda Riacho Doce.

Desconhecendo os intricados do mundo dos negócios, ela confiou todo o patrimônio herdado aos cuidados do pai. Agora com trinta e oito anos, viúva e sem filhos, Isadora estava resoluta em recomeçar sua vida na cidade onde cresceu.

Ela planejou abrir uma clínica médica na cidade e contou com a ajuda de Bárbara para organizar tudo antecipadamente – desde o local da clínica até a casa onde moraria.

No entanto, havia um desafio: a fazenda Riacho Doce, que ela tanto desejava recuperar, já possuía um novo proprietário que se recusava a vendê-la. Determinada a reaver o lugar que tanto significava para ela, Isadora não desistiu. Com o apoio de Bárbara, preparou-se para o retorno, mesmo sem ter resolvido a questão da fazenda.

Mas seu coração estava firme na decisão: aquelas terras seriam suas novamente, custasse o que custasse.

Ao retornar à sua cidade natal, Isadora sentia-se envolvida por uma mistura de nostalgia e melancolia. Ela estava ansiosa para encontrar o proprietário da fazenda Riacho Doce, mas Bárbara sugeriu que ela se estabelecesse primeiro antes de tentar negociar a compra das terras.

Caminhando pelas ruas, Isadora notou que muitos estabelecimentos comerciais compartilhavam o nome “Riacho Doce”. Curiosa, perguntou a uma mulher próxima: — Por que há tantas lojas com esse nome? — É porque o dono da fazenda gosta do nome. Todos os seus negócios levam o nome Riacho Doce.

Isadora inaugurou sua clínica e, em um fim de semana, decidiu visitar a fazenda para conhecer o Dr. Barreto. Ao chegar, foi recebida por um homem simples que varria o pátio. — Pois não? — Estou procurando pelo proprietário. — Ah, ele deve estar lá no riacho. Sempre vai para lá quando nos visita.

Seguindo as instruções, Isadora caminhou em direção ao riacho, perdida em memórias da juventude. A fazenda já não era mais a mesma; as árvores de cacau agora exibiam um tom marrom desolador.

Ao chegar ao riacho, Isadora ficou chocada com a visão diante dela. — Como pode? Você está morto!

Pedro tentou se aproximar, mas Isadora estava paralisada. Uma escuridão tomou conta dela e ela desmaiou.

Quando acordou, estava em uma cama com Bárbara ao seu lado. — O que aconteceu? — perguntou Bárbara. — Eu vi um fantasma… era o Pedro.

Nesse momento, Pedro entrou no quarto. — Você está vendo também, Bárbara? É o Pedro! — Que Pedro? Seu namorado morto?

Isadora confirmou com a cabeça. Bárbara olhou confusa e disse: — Não, querida. Esse é o senhor Barreto.

O homem então se apresentou: — Sim, sou Pedro Barreto.

Isadora, inundada por lágrimas e confusão, ouviu enquanto Bárbara compartilhava a história que ela havia contado. Pedro, ao entender a situação, consolou Isadora e, com o tempo, eles reacenderam seu romance.

Não muito tempo depois, Isadora anunciou que estava grávida. Bárbara estava radiante com a notícia de se tornar tia, e Pedro, transbordando de alegria, foi ao bar do Nicodemos para celebrar.

O tempo voou e logo o filho de Pedro e Isadora nasceu, um menino com os olhos da mãe e a pele do pai. Quando o bebê completou quatro meses, Isadora decidiu apresentá-lo à sua família na capital. Chegando em casa, sua madrasta ficou chocada ao ver Isadora com um bebê negro nos braços e presumiu que fosse filho de uma empregada. No entanto, ao descobrir a verdade, ela correu para chamar o marido para ver seu neto.

O pai de Isadora ficou atônito com a notícia e tentou dissuadir sua filha de se casar com Pedro. Mas Isadora estava decidida e, como herdeira dos bens da família, seu pai relutantemente aceitou a união para evitar conflitos.

Com o tempo, o avô acolheu o pequeno Pedrinho como seu herdeiro e orgulhosamente exibiu seu neto. Pedro e Isadora se casaram e tiveram mais dois filhos. O período em que estiveram separados tornou-se apenas uma lembrança distante.

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