Era uma manhã calorosa e formidável quando, ao limpar como de costume, encontrei uma caixa sob a cama de uma das irmãs do convento. As freiras superiores diziam que, se eu trabalhasse todos os dias pela manhã, minha pele acabaria ficando da cor da delas. Dentro da caixa, havia escritos perigosos e sensíveis. Decidi lê-los, mas antes, tranquei a porta e acendi velas para enxergar melhor.
Por: Jhonnathan Pereira (Jonathan Pereira da Silva)
Começa assim: "Me chamo Izabel, não sei falar, mas sei escrever muito bem; afinal, fui obrigada a aprender. Disseram que minha mudez é por causa dos meus pecados, mas quais pecados? Uma pergunta sem resposta. Uso estes papéis para registrar o que vejo e tentar fazer justiça de alguma maneira. Já não suporto ver e não conseguir dizer nada...
Dia 6 de setembro de 1734, meu aniversário, mas ninguém sabe. O importante é o que vi mais cedo... O reverendo Jorge estava numa cabine, estranhamente sussurrando com a irmã Anatália, que perdera o marido há alguns dias. Ela entrou na cabine e ouvi gemidos e suspiros. Colhendo algodão no fundo da paróquia central, fiquei intrigada, achando que ela estava sendo exorcizada.
No final do dia, voltei para orar pelos pecados dela e para que os céus capacitassem o reverendo. Em minhas preces, desejei que todas as verdades fossem reveladas. Naquele momento, senti um conforto tão grande que meu coração ficou em paz novamente.
Dia 7 de setembro de 1734, fui ajudar a irmã Maria na colheita de algodão. Vi a irmã Anatália chorando muito. Tentei me aproximar, mas ela não se importou. Decidi chegar mais perto mesmo assim, e, ao olhar em seus olhos, vi coisas horríveis que ela havia feito na cabine com o reverendo. Entendi o contexto: ela estava tendo um caso com ele. Vi o reverendo visitando a casa dela como um ato de fé, mas o digníssimo amarrou o marido dela numa cadeira, deslizou uma navalha afiada nos braços do rapaz. A esposa do moço ajudava o reverendo, trazendo a agulha que usaram para perfurar os olhos do inocente.
O reverendo pegou água fervendo, abriu a boca do homem com dois espetos e jogou a água fervente dentro dela. Ele sucumbiu a uma morte lenta e dolorosa. Acharam seu corpo numa floresta próxima e disseram que foi obra de bruxas.
Quando recuperei os sentidos, não queria mais acreditar no que havia acontecido. Minhas mãos tremiam, e corri para o quarto, deixando todos sem saber o que houve. Não contei a ninguém, pois ninguém acreditaria. Sentei-me na cama e ergui uma prece para o homem morto injustamente. Dormi logo em seguida.
Dia 8 de setembro de 1734, fui cedo para a paróquia e sentei-me no banco da frente. Ouvi uma voz masculina que dizia: — Vá para a sala ao lado. Estremeci, mas segui as orientações da voz. Na sala ao lado, vi a irmã Bárbara contando as moedas do ofertório, mas ela não colocava todas no cofre paroquial, separava as de maior valor.
Eu não podia acreditar: a irmã Bárbara roubando os dízimos e ofertas! Ela parecia tão fiel e direita. Cantava, pregava, lia as lições. Por quê? Mais uma pergunta sem resposta. Tentei voltar para a paróquia sem fazer barulho, mas tropecei.
— Quem está aí? — gritou a irmã.
Meu coração palpitando forte, saí correndo sem que ela me visse. No mesmo dia, mais tarde, fui ver o pôr do sol... Ah, como estava lindo. Agradeci tanto a Deus pelo dom da vida e pedi que perdoasse as ações das irmãs e irmãos. Sentindo vontade de ver o riacho próximo ao monte onde estava, desci. Perto, vi as irmãs Luzia e Luana com um pacote... Cada uma segurava uma ponta. O pacote se mexia, então, elas o puseram ao leito do lago e jogaram duas pedras grandes em cima, fazendo um barulho idêntico ao de quando quebramos um coco.
Elas correram, e, nesse meio tempo, desci mais ao leito do lago e abri o pacote. Minha alma ficou tão triste ao ver o bebê esmagado pelas pedras. Acredito que fosse da irmã Luana, confirmando o período de oito meses que ficou isolada. Disseram que era a doença que faz tossir sangue, mas era isso?
Fui para casa abatida e já não aguentava mais rememorar a cena. Não comi nada e fui dormir.
Dia 9 de setembro de 1734, uma data marcante, pois era o dia da colheita de rosas brancas. Eu adorava esse dia, pois a irmã Martha cantava muito bem enquanto colhíamos. Sua voz me acalmava. No caminho para o roseiral, o reverendo tocou em meu ombro, mergulhando-me numa aflição terrível, mas fingi não sentir nada. Ele perguntou se eu poderia ajudar a carregar o cesto de rosas, mas recusei, preferindo ficar no campo de visão das irmãs.
Colhemos as rosas e fomos para o centro da cidade distribuí-las ao redor da paróquia. No banheiro, ouvi a irmã Martha conversando com a irmã Alaíde, cochichando: — Você viu o decote da irmã Eleonor? Acho que ela estava se exibindo para o reverendo — disse Alaíde. — Eleonor? Acho que você está enganada... Ela estava se insinuando para a irmã Luzia — retrucou Martha.
Saí do lavabo olhando para o chão, percebendo o quanto estava enganada com a bela voz da irmã Martha. Distribuímos todas as flores e voltamos para o convento. Mais tarde, vi um dos aprendizes do padre chorando sozinho. Decidi me aproximar, mas achei mais sábio observar. Vi a madre superiora reclamando com ele, dizendo que era fruto do pecado e seria condenado eternamente.
O menino, aflito, perguntou como se redimir de seus “erros”, já que não lembrava de ter feito nada. Ela disse: — Vá ao escritório do padre, o reverendo estará lá, mas antes, tome banho e se perfume.
Eu fiquei perplexa. O rapaz parecia limpo. Ele obedeceu, e eu o segui, me embrenhando na escuridão dos corredores. Ele entrou na sala do reverendo, que pediu para ele se despir. Nesse momento, virei o rosto e saí correndo para o monte onde estava outro dia. Orei e pedi perdão pelos pecados dos irmãos e irmãs. Ergui a mais bela prece:
Em
meu coração, há dor, medo, culpa e rancor.
Divino,
retire-os.
Em
minha mente há tristeza e pesar.
Divino,
retire-as.
Em
meus olhos há rios de sangue.
Divino,
limpe-os.
Em
minha face há desesperança.
Divino,
renove-a.
Em
minha paz, há empecilhos.
Divino,
resolva-os.
Perdoe
o pecado dos irmãos e irmãs.
Divino,
salve-os.
As escritas terminam aqui...
Isso explica muita coisa. Izabel foi encontrada morta ao pé do penhasco, com a boca costurada, chumbo em pó nos olhos e todos os ossos quebrados. A bela moça virgem, cercada de mariposas vermelhas, sucumbiu ao silêncio eterno.
Me pergunto se devo entregar esses escritos a alguém ou queimá-los... Devo voltar ao serviço, a madre superiora está chamando.
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